Como podemos ajudar os Sobreviventes Enlutados

O Evento suicida e suas repercussões

Começar a falar sobre a morte não é tema fácil ou simpático. Nossa cultura nega a sua existência e relega para um futuro distante.

Estamos imersos em epidemias, sendo o suicídio, ainda, uma epidemia calada, título do livro publicado com os três últimos anos da vida do meu filho Felipe, descritos em minúcias em seus diários. Faleceu em novembro de 2012 aos 34 anos após anos de grande sofrimento emocional. A última frase, de Shakespeare “Some are born to a endless night”, resume a descrença em viver.

Epidemia calada em 2012 parecia descrever o momento em que o Brasil, 8º país em números de suicídios, se via encarando, enfrentando e resolvendo este grave problema de saúde pública, o que leva a Organização Mundial de Saúde e seus países parceiros há decretar o dia 10 de setembro como o Dia Mundial da Prevenção do Suicídio.

Em 2015 comecei efetivamente a participar deste esforço mundial na promoção da saúde mental, começando pela morte suicida. Neste mesmo ano, participei do XXXIII Congresso Brasileiro de Psiquiatria e integrando mesa redonda com ilustres colegas, trago na garganta este grito de alerta: “esta epidemia não pode ser e estar calada”.

Em Jundiaí, aonde vivo há 40 anos, terra querida que me acolheu e hoje me considero nativa, alcançamos a repercussão social e representativa. A partir de 2017 com a publicação do Decreto Municipal ficou designada a data 10 de setembro, como Dia Municipal de Prevenção de Suicídio e Valorização da Vida, em parceria com o CVV – Centro de Valorização da Vida. O voluntariado junto ao CVV desde 2017 em muito acrescenta ao meu desenvolvimento emocional.

Neste ano, iniciamos também, o programa Viver com o apoio da Prefeitura Municipal de Jundiaí e do CVV. Desde então, demos inicio as jornadas pessoais de enfrentamentos, ressignificação e sobrevivência, dando voz aqueles que se foram calados e a nós, familiares sobreviventes em sofrimentos por culpas, vergonhas, estigmas, preconceitos, discriminações e silêncios constrangedores.

“A História que não passa”, frase do historiador francês da atualidade, permanece presente. O suicida se cala, dissimulando suas intenções, a família se cala, envergonhada por sua exposição, a medicina se cala, evitando encaminhar para a Psiquiatria e pior, evitando perguntar “como vai sua saúde mental?”; a sociedade se cala, indiferente ao suicida anônimo, mas vulgarizando e glamourizando o suicida midiático.

A Associação Brasileira de Psiquiatria, em parceria com o Ministério da Saúde, publicam cartilhas orientando abordagens éticas tanto para a imprensa como para área da saúde. Hoje seis anos depois, verificamos o desenvolvimento da comunicação e abordagem da crise suicida na sociedade.

E assim, sigo agradecida, vendo o avançar cuidadoso, atento, firme das várias instituições que vem surgindo, muitas a partir das mortes suicidas, com famílias sobreviventes divulgando em seus sites, acolhendo novas mães, pais, irmãos enlutados.

Sigo agradecida, sendo participante de ações públicas que aumentaram os níveis de investigação das diversas instituições diretamente envolvidas e inseridas na comunidade. Sigo agradecida, compartilhando de ações das abordagens humanizadas dos Bombeiros, da Polícia Militar e da Guarda Municipal de Jundiaí.

Ainda há muito a fazer por nossa população, pois ainda há estigmas e preconceitos a serem detonados em relação às doenças mentais e aos profissionais de saúde mental. Encerrando por aqui, dedico este trabalho ao meu filho Felipe e às famílias enlutadas sobreviventes. A morte não é um fim, mas pode ser o começo de novas vidas, ressignificadas para o acolhimento da nossa própria dor, e o acolhimento da dor do outro!

Gratidão.

Referências

1. Botega, NJ. Crise Suicida: avaliação e manejo. Porto Alegre: Artmed, 2015.

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