Avaliando o risco de suicídio

O tema saúde mental e prevenção do suicídio têm sido foco de ações preventivas em saúde em diferentes contextos nacionais e internacionais(1-4), que preconizam maiores investimentos e planejamento para a promoção de cuidados nesta vertente, uma vez que o suicídio tem gerado muitas preocupações por seus alarmantes números. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o suicídio causa aproximadamente 700.000 mortes anuais no mundo, além de ser identificado como a segunda causa de morte na população entre 19 e 25 anos (5). No Brasil, dados epidemiológicos apontam um aumento de 43% nas mortes por suicido no período entre 2010 e 2019, totalizando 13.532 mortes em 2019. Tal aumento de casos foi identificado em todas as faixas etárias, com destaque para os adolescentes de 15 aos 19 anos, que passou de 3,5 mortes por 100 mil habitantes para 6,4 suicídios a cada 100 mil habitantes, correspondendo a um aumento de 81%(6).

Apesar de ser mais abordado na atualidade, o suicídio ainda está associado a crenças equivocadas, julgamentos, mitos, dúvidas, estigmas, falta de informação e de preparo para lidar com essa questão(4). O comportamento suicida envolve diversos componentes, tais como a ideação suicida (pensamentos), plano suicida (planejamento do ato), tentativa suicida (ato não fatal) e a morte por suicídio(7). É caracterizado como um comportamento multifatorial e complexo com a mediação de vários fatores de risco, incluindo aspectos pessoais, psicológicos, econômicos, culturais e sociais. Constitui-se como um grave problema de saúde pública com importantes repercussões pessoais, sociais e econômicas(5,6).

A identificação de situações de risco de suicídio pode favorecer a busca de cuidado interprofissional e a seleção de ações mais adequadas para a prevenção. Contudo, é importante saber que os diferentes instrumentos e formatos de avaliação não conseguem prever de forma exata o suicídio. O risco de suicídio não pode ser avaliado e operacionalizado da mesma forma como outras condições de saúde claramente detectáveis, por exemplo, por meio de exames.

A avaliação do risco de suicídio requer uma abordagem humanizada, com acolhimento e escuta. Nesse sentido, elencamos alguns pontos que são importantes para a avaliação do risco de suicídio e a compreender a gravidade da situação(8,9).

Como devo me comunicar?


  • Realizar a interação em ambiente privativo, sem interrupções e que deixe a pessoa a vontade para expor o que está acontecendo;

  • Oferecer a interação em momento com tempo suficiente para abordagem;

  • Estabelecer relação terapêutica de confiança, empatia, autenticidade e respeito;

  • Abordar a pessoa de maneira calma, aberta, transmitindo aceitação e desejo de ajudar, ausente de julgamento e atento para as expressões não verbais;

  • Abordar o assunto de modo gradual, utilizando questões abertas que estimulem a comunicação entre entrevistado/entrevistador, evitando, assim, respostas curtas como “sim e não”;

  • Acolher a pessoa de modo integral, cuidadoso e individualizado, encorajando o reconhecimento e a expressão de sentimentos, de acordo com suas necessidades e angústias, favorecer a compreensão do que está acontecendo.
  • Quais sinais, sintomas ou comportamentos indicam a necessidade de uma avaliação cuidadosa?


  • Atentar para frases de alerta, que podem indicar necessidade de escuta, acolhimento;

  • Atentar para desinteresse pelo próprio bem estar, necessidade de colocar em ordem assuntos pessoais, alterações nos padrões comportamentais e/ou reações a datas de aniversários;

  • Estar atento a mensagens não verbais.
  • O que devo avaliar?


  • Dor emocional (como é e como está se manifestando);

  • Agitação;

  • Comportamento impulsivo;

  • Desesperança;

  • Raiva de si mesmo;

  • Perdas inesperadas e muito impactantes;

  • Diagnóstico de depressão;

  • Frustração;

  • Comportamento de isolamento social;

  • Autodepreciação (baixa autoestima, raiva de si mesmo, culpa);

  • Investigar acontecimentos estressores (recentes ou tardios);

  • Presença de ideação suicida e suas características (frequência, intensidade, estado atual);

  • Investigar o quanto é difícil resistir à ideação suicida;

  • Presença de planos suicida e suas características (determinação, método(s), exequibilidade, acesso aos meios, período);

  • Investigar outros comportamentos de risco associado (uso de substâncias psicoativas, exposição a situações de risco);

  • Investigar tentativas de suicídio prévias;

  • Investigar presença de transtornos mentais e sintomas psicóticos;

  • Conhecer as expectativas e o significado do comportamento suicida para pessoa, como solução de problemas ou alívio de sentimentos;

  • Avaliar presença de sentimentos de ambivalência entre viver e morrer;

  • Rigidez cognitiva (perspectiva da morte como a única solução);

  • Avaliar se a pessoa tem desejo e esperança de ser ajudada;

  • Investigar fatores de proteção e as potencialidades do indivíduo;

  • Avaliar a qualidade da rede de apoio disponível para colaborar com a pessoa em crise.
  • Quais podem ser as primeiras medidas a serem tomadas?


  • Promover a segurança (supervisão e restrição de acesso a meios de autolesão), em caso de risco grave para o suicídio;

  • Realizar acordos ou pedir para que a pessoa não tome decisões drásticas sob sentimentos de muita tristeza;

  • Auxiliar a pessoa no pedido de ajuda, identificando formas assertivas de expressão de necessidades;

  • Ser proativo;

  • Ajudar a pessoa a buscar ajuda profissional e orientar quanto aos serviços de saúde que podem ser procurados em cada situação;

  • Fortalecer e identificar a rede de apoio, se possível sob consentimento da pessoa;

  • Evitar práticas coercivas e, sempre que possível, obter o consentimento da pessoa para as ações a serem tomadas;

  • Demonstrar que aceita o desejo da pessoa de não sentir dor e transmitir o desejo de apoiá-la a encontrar alternativas saudáveis para lidar com a dor;

  • Pensar, junto com a pessoa, em caminhos terapêuticos e meios saudáveis para lidar com o sofrimento como: busca de apoio profissional, plano de gestão de crises e rede de apoio;

  • Estabelecer um plano de acompanhamento para que o cuidado possa ser continuado.
  • O que não devo fazer?


  • Não abordar a pessoa de forma inquisitória, mecânica ou excessivamente diretiva, evitando um cuidado prescritivo;

  • Não faça críticas, julgamentos ou desafios a pessoa;

  • Não impeça a pessoa de expor seus pensamos, sentimentos, vivências prévias relacionadas ao suicídio;

  • Não encorajar na busca por culpados;

  • Não fazer promessas de sigilo absoluto;

  • Evitar expor informações sobre a situação com pessoas que não estejam colaborando na rede de suporte;

  • Não deixe de dar importância ao sofrimento da pessoa;

  • Não hesite em perguntar sobre a intenção de prejudicar a si mesmo ou aos outros;

  • Não hesite em fazer perguntas específicas sobre a capacidade da pessoa de cuidar de outros;

  • Não faça promessas que não pode cumprir;

  • Não se apresse;

  • Não tome decisões pela pessoa ou ofereça soluções simplistas para os problemas que ela vivencia. A pessoa pode ser estimulada a, gradualmente, olhar para si e para seus recursos e buscar meios para lidar com a difícil situação que está vivendo.
  • Vale ressaltar que a avaliação do risco de suicídio representa o estado da pessoa em determinado momento, como se fosse uma fotografia. Contudo, o estado mental de uma pessoa em crise pode oscilar ao longo do tempo. Assim, o risco de suicídio é dinâmico e deverá ser reavaliado periodicamente.

    Caso identifique uma situação de possível risco para o suicídio você pode compartilhar a tomada de decisão com pessoas em que confia e profissionais de saúde. Peça ajuda a outras pessoas!

    Sugestões de materiais: materiais ou links que possam agregar o conhecimento do tema abordado na postagem:
    https://inspiracao-leps.com.br/especialistas/conversando-sobre-suicidio/

    Referências

    1. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Agenda de Ações Estratégicas para a Vigilância e Prevenção do Suicídio e Promoção da Saúde no Brasil: 2017 a 2020. Brasília, DF; 2017. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/cartilhas/2017/17-0522-cartilha-agenda-estrategica-publicada-pdf/view. Acesso em: 18 abr 2022.

    2. Brasil. Lei nº 13.819, de 26 de abril de 2019. Institui a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio. Diário Oficial da União. 29 abr 2019; Seção 1:1. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/l13819.htm. Acesso em: 18 abr 2022.

    3. Frankish H, Boyce N, Horton R. Mental health for all: a global goal. Lancet. 2018 Oct 27;392(10157):1493-1494. doi: 10.1016/S0140-6736(18)32271-2. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/30314858/ . Acesso em: 12 abr 2022.

    4. World Health Organization. Live life: an implementation guide for suicide prevention in countries. Geneva: World Health Organization; 2021. Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/9789240026629. Acesso em: 18 abr 2022.

    5. World Health Organization [Internet]. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/suicide. Acesso em 14 abr 2022.

    6. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico. 2021;52(33). Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/boletins/boletins-epidemiologicos/edicoes/2021 boletim_epidemiologico_svs_33_final.pdf/view . Acesso em: 18 abr 2022.

    7. Klonsky ED, May AM, Saffer BY. Suicide, Suicide Attempts, and Suicidal Ideation. Annu Rev Clin Psychol. 2016;12:307–30. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/26772209/ . Acesso em: 12 abr 2022.

    8. Bertolote JM, Mello-Santos C, Botega NJ. Detecção do risco de suicídio nos serviços de emergência psiquiátrica. Rev Bras Psiquiatr. 2010;32:Supl II. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbp/a/tF7BMYYsc7sT53qQd5hWrPt/?lang=pt. Acesso em: 11 abr 2022.

    9. Ray MK et al. PROTECT: Relational safety based suicide prevention training frameworks. Inter J Ment Health Nurs. 2020 Jun;29(3):533-543. Doi: 10.1111/inm.12685. Epub 2019 Dec 26. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/inm.12685 . Acesso em: 18 abr 2022.

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