Se tem vida, tem jeito

Falar sobre morte e morrer demanda falar sobre a vida e formas de viver.

Compreendo o suicídio como “a confirmação concreta da descontinuidade do sentido de vida”(1). Nessa perspectiva, a ausência temporária de sentido não significa a inexistência de sentidos. Digo isso principalmente porque há 26 anos acompanho muitas pessoas que, durante certo tempo de suas vidas, enamoram a morte como possibilidade para se livrarem de seu sofrimento. Concomitantemente, acompanho pessoas que descobriram que seu sofrimento era apenas temporário. Por se tratar de uma fase difícil, tortuosa e que as levou para o “poço existencial” mais escuro e profundo, imaginaram que nunca sairiam da escuridão. São os “tsunamis existenciais” que intitulei quando passei por uma fase caótica, durante a qual imaginei que não sairia viva e muito menos ilesa das sequelas de uma inflamação cerebral provocada por um adoecimento autoimune que me lançou na mais profunda escuridão e limbo existencial em 2014. Também foi neste momento que me vi frente a frente com a impotência e uma falta de sentido que provocaram ofuscamento em minha mente e em meu coração e provocaram a desesperança de que seria capaz de recuperar meus movimentos e memória. Concluí que tanto a escassez quanto o exagero de proteção podem ser autodestrutivos. Nessa direção, o excesso de proteção quando nos sentimos ameaçados também é uma violência autoinfligida, pois o organismo decodifica perigo e começa a produção de cortisol, hormônio do estresse para nos defender. Incrível é a sabedoria organísmica. Mais incrível é perceber que nada do que nos acontece é em vão. Tudo tem um sentido de acontecer mesmo que não o entendamos. A partir do redimensionamento de minhas experiências, percebi que se tratavam, comportamento suicida e adoecimento autoimune, de processos autodestrutivos cuja diferença se encontrava na intensidade de proteção e de cuidados para conosco quando enfrentamos qualquer tipo de adversidade. Sendo assim, foi durante este período que criei a assertiva “[…] se não há explosão haverá implosão”(1), fazendo alusão ao fato de que se não nos matarmos (suicídio), explodiremos por meio de adoecimentos gerados pela dificuldade de nos defendermos dos males e conflitos provocados pela desarmonia relacional.

Paradoxalmente, na maior escuridão que enfrentei recebi o convite para buscar a luz e persistir para que minha vida pudesse ser resgatada por mim mesmo. Em vez de permitir esmorecer, apesar da intensa vontade de desistir de tudo, aceitei o convite para que ao menos tentasse. Foi nesse período de intenso ceticismo que criei o mantra “Se tem vida, tem jeito”, influenciada pela frase que ouvia sempre de minha eterna e amada avó, que me confortava em momentos de tristeza e de desesperança: “Karina, tudo tem jeito menos a morte”.

Pensava apenas que se eu ainda continuava respirando, haveria um propósito, mesmo que eu não ainda entendesse o sentido. Constatei que não é porque não conseguimos ver uma “saída no final do túnel” que ele não exista. Confirmei o quanto não temos o controle de nada, mas que sou capaz de pelo menos tentar responder às situações.

Descobri que lidamos com as situações apenas como podemos lidar com elas e não como deveríamos lidar. É a luta entre poder e dever que se instala e que causa sofrimento. Repito: só lidamos com as adversidades da maneira como podemos.

E afinal, o que tem jeito se há vida?

Tem jeito o seu jeito singular de ser.

Tem jeito as respostas que você oferta.

Tem jeito porque você está vivo e a comprovação é a de que respira…

Tem jeito porque sempre há esperança para que você entenda que “a vida é arte que leva tempo”(2).

Tem jeito porque você é capaz de recuperar sua vida e integridade e não autorizar que ninguém te machuque mais.

Ainda dá tempo para se acolher e para transformar a dor em amor.

Ainda dá tempo para transformar o desconhecimento dos problemas que o invadem em conhecimento sobre sua capacidade de enfrentamento.

Ainda dá tempo. Mas lembre-se: ainda dá tempo, somente e apenas se você se der uma chance para acreditar que se em você habita a vida, tem jeito…

Karina Okajima Fukumitsu

Conheça mais sobre o trabalho da Karina Okajima Fukumitsu através do link: www.karinafukumitsu.com.br

Referências:

  1. Fukumitsu, KO. Suicídio e Luto: histórias de filhos sobreviventes. São Paulo: Digital Publish & Print Editora; 2013.
  2. Fukumitsu, KO. A vida não é do jeito que a gente quer. São Paulo: Editora Digital Publish & Print; 2015.
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