Vamos falar sobre o comportamento suicida na adolescência e no contexto escolar?


A adolescência é marcada por transformações significativas, nessa etapa de desenvolvimento ocorre a transição entre a infância e a vida adulta. As principais mudanças vivenciadas na adolescência, estão relacionadas aos processos fisiológicos, emocionais e sociais1. Para a Organização Mundial da Saúde (OMS) são considerados adolescentes, pessoas na faixa etária de 10 a 19 anos e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), define a idade de 12 a 18 anos, contudo, alguns estudos tem questionado essa delimitação, considerando a faixa etária de 10 a 24 anos, tendo em vista os fatores biológicos que têm resultado na puberdade precoce e os sociais que norteiam o enquadramento de leis, políticas públicas e sistemas de serviços direcionados para o adolescente2,3,4.

Além do processo de desenvolvimento, a maneira como as experiências do adolescente são vivenciadas, influencia diretamente em seu autoconhecimento, sendo necessário o oferecimento de orientações de qualidade para auxiliar na aquisição de autonomia e recursos para lidar com os sentimentos mais complexos e situações desafiadoras, minimizando o risco de vulnerabilidade1. Quando o adolescente se encontra em situação vulnerável fica mais suscetível a experienciar sérios problemas emocionais, comprometer sua saúde mental e desenvolver o comportamento suicida5.

O comportamento suicida está associado a múltiplos fatores e abrange ideação suicida (pensar, fazer planos para o suicídio), tentativa de suicídio (comportamento autodirigido, potencialmente nocivo com a intenção de morte) e suicídio (morte autoprovocada de forma intencional)6. É importante ressaltar que identificar o comportamento suicida pode ser desafiador, pois, em alguns casos o adolescente tem dificuldade para comunicar sua dor e falar sobre os seus sentimentos e alguns sinais indicativos de risco podem ser relativamente inespecíficos ou pouco claros. No entanto, o contexto escolar tem sido um espaço para a identificação desse sofrimento, o acolhimento e prevenção do comportamento suicida7.

Elencamos a seguir tópicos importantes para facilitar o processo de identificação, acolhimento, acompanhamento e planejamento ações de prevenção em instituições de ensino.

Identificação de sinais de risco para o comportamento suicida:

Apesar de alguns sinais de alerta não indicarem necessariamente um risco de suicídio, é importante que alguns sintomas e alterações sejam considerados com atenção, pois podem indicar algum sofrimento importante, momento de crise ou de necessidade de uma escuta atenta. Nesse sentido, é fundamental se atentar a mudanças repentinas de humor, queda no desempenho escolar, falas desesperançosas acerca da vida, choro recorrente, isolamento, autolesão, comportamentos de risco, além de alterações comportamentais significativas. Nessas situações, é necessário realizar o acolhimento e oferecer uma escuta qualificada, sem julgamentos em um local reservado e livre de interrupções. É importante buscar saber se o adolescente já tentou o suicídio e se atualmente apresenta pensamentos de morte, ideação ou plano suicida7,8.

Oferecimento de ajuda para o adolescente que apresenta comportamento suicida:

A escola é muito importante nesse processo, principalmente, na identificação, acolhimento inicial e acompanhamento do adolescente, mas, vale ressaltar que não necessita realizar as ações de prevenção sozinha. É essencial que a escola esteja articulada com a família, redes de apoio e serviços de saúde para a realização das ações. Para isso, é importante realizar um mapeamento dos recursos comunitários, serviços de saúde e outros dispositivos disponíveis próximos à instituição. Essa articulação é fundamental para o planejamento e desenvolvimento das ações de prevenção do comportamento suicida no contexto escolar9.

Formação sobre o comportamento suicida no contexto escolar:

É importante que sejam desenvolvidas ações de redução do estigma e formação baseadas em conhecimento científico de qualidade para que os profissionais sejam capacitados para realizar os primeiros socorros em saúde mental (identificar necessidades, realizar uma escuta atenta e sem julgamentos, acolher, orientar, identificar situações de risco e encaminhar adequadamente, quando necessário)7,8,9.

Planejamento de ações continuadas de prevenção do comportamento suicida:

O planejamento deve ser abrangente, garantindo continuidade e regularidade no desenvolvimento das estratégias de prevenção. Ações contínuas e multiníveis (que envolvam não apenas os indivíduos, mas os diferentes grupos e contextos nos quais ele se insere) proporcionam suporte mais fortalecido e são mais efetivas do que as ações isoladas e pontuais. Além disso, as ações contínuas têm potencial para envolver a comunidade escolar para atuar ativamente na prevenção do comportamento suicida. É primordial que o planejamento seja embasado em conteúdo científico, para oferecer informações de qualidade para os envolvidos e contemple a formação de uma comissão de prevenção (professores, funcionários, familiares, estudantes, recursos comunitários e serviços de saúde). É fundamental que haja corresponsabilização com a saúde mental e prevenção do comportamento suicida entre os membros da comunidade escolar7,8,9.

Desenvolvimento de ações de prevenção do comportamento suicida: é desejável que sejam desenvolvidas ações estratégicas como:

Desenvolvimento de habilidades para a vida:

Essas ações podem ser realizadas por meio de programas que abordem as temáticas de habilidades socioemocionais, justiça social, diversidade, equidade, inclusão social, estilo de vida, bem-estar, saúde mental, desempenho escolar e redução de violência, assédio, estigma8.

Promoção da conexão social:

Oferecer oportunidades de conexão entre os estudantes e também com outros recursos da comunidade que compartilham de interesses semelhantes (projetos sociais, esportes, clubes, entre outros). Além de desenvolver medidas proativas entre os estudantes para identificar os que estão isolados e o envolvimento em atividades que promovam o sentimento de pertencimento8.

Identificação de adolescentes em risco:

Oferecer o treinamento de porteiros, inspetores, professores e outros funcionários da escola para identificar, acolher e, se necessário, encaminhar os estudantes em risco. Também é importante capacitar os estudantes para a identificação de necessidade de ajuda entre seus pares e oferecimento de suporte na busca de apoio e encaminhamento para adultos de confiança8.

Incentivo da busca por ajuda:

Oferecer aconselhamento escolar e facilitar o acesso com informações em toda a escola. Pode ser por meio de sites, telefone, aplicativos e murais. A escola também pode implementar campanhas que minimizem o estigma sobre saúde mental e contribuam para o encorajamento do estudante buscar ajuda8.

Oferecimento de serviços de saúde mental:

Garantir que os serviços de aconselhamento sejam acessíveis e flexíveis, com tempos de espera curtos e priorização de casos urgentes. Oferecer recursos para cuidados após o expediente e situações de emergência 24 horas (telefone, mensagem de texto, chat)8.

Gestão de crises:

Desenvolver guias sobre prevenção e posvenção para assegurar uma resposta rápida da escola em caso de situações traumáticas, suicídio ou morte por outros motivos. Desenvolver uma comissão para acolher e responder relatos de estudantes em risco e com necessidade de atendimento do serviço de saúde mental. Além de acompanhar os estudantes que estão em tratamento8.

Restrição do acesso a meios letais:

fazer uma inspeção no ambiente e reduzir o acesso a meios que possam oferecer risco para os estudantes. Também é importante verificar a estrutura física da escola e identificar pontos que podem ser perigosos ou conter objetos que possam ser utilizados como arma8.

A articulação e realização de ações coletivas, intersetoriais e integradas fazem toda a diferença e favorecem o desenvolvimento de habilidades para os adolescentes lidarem com as emoções mais complexas. Sendo assim, é necessário falar sobre o comportamento suicida no contexto escolar e identificar sinais de risco para o comportamento suicida, oferecer ajuda para o adolescente que está em situação de risco, realizar a formação sobre o comportamento suicida e ações de redução de estigma no contexto escolar, planejar e desenvolver ações continuadas de prevenção do comportamento suicida que incluem: desenvolvimento de habilidades para a vida, promoção da conexão social, identificação de adolescentes em risco, incentivo da busca por ajuda, oferecimento de serviços de saúde mental, gestão de crises e restrição do acesso a meios letais. Portanto, ações de prevenção do comportamento suicida na escola, necessitam de planejamento estruturado que contemple periodicidade, continuidade, capacitação, formação continuada, articulação com recursos comunitários, dispositivos e serviços de saúde, envolvendo toda a comunidade escolar e familiares.

Referências

1. Oliveira AM, Bicalho CMS, Teruel FM, Kahey LL, Botti NCL. Comportamento suicida entre adolescentes: Revisão integrativa da literatura nacional. Adolesc Saúde. 2017; 14(1):88-96. Disponível em: http://docplayer.com.br/52509142-Comportamento-suicida-entre-adolescentes-revisao-integrativa-da-literatura-nacional.html

2. OPAS/OMS. Organização Pan-Americana da Saúde / Organização Mundial da Saúde. Saúde Mental do Adolescente. Ministério da Saúde, 2021. https://www.paho.org/pt/topicos/saude-mental-dos-adolescentes.

3. Brasil. Lei federal nº 8069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da criança e do adolescente. Rio de Janeiro: Imprensa Oficial, 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm.

4. Sawyer SM, Azzopardi PS, Wickremarathne D, Patton GC. The age of adolescence. Lancet Child Adolesc Health. 2018 Mar;2(3):223-228. doi: 10.1016/S2352-4642(18)30022-1. Epub 2018 Jan 30. PMID: 30169257.

5. Leadbeater BJ, Thompson K, Sukhawathanakul P. Enhancing Social Responsibility and Prosocial Leadership to Prevent Aggression, Peer Victimization, and Emotional Problems in Elementary School Children. Am J Community Psychol. 2016 Dec;58(3-4):365-376. doi: 10.1002/ajcp.12092. Epub 2016 Sep 30. PMID: 27686887.

6. Crosby AE, Ortega L, Melason C. Self-Directed Violence Surveillance: Uniform Definitions and Recommended Data Elements (Version 1.0), 2011. Atlanta, GA: CDC, Natl. Cent. Inj. Prev. Control. https://www.cdc.gov/suicide/pdf/self-directed-violence-a.pdf

7. Sousa CMDS, Mascarenhas, MDM, Gomes, KRO, Rodrigues, MTP, Miranda, CES, Frota, KDMG. Ideação suicida e fatores associados entre escolares adolescentes. Revista de Saúde Pública. 2020;54:33. https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2020054001637

8. MacPhee J, Modi K, Gorman S, Roy N, Riba E, Cusumano D, Dunkle J, Komrosky N, Schwartz V, Eisenberg D, Silverman MM, Pinder-Amaker S, Watkins KB, Doraiswamy PM. A Comprehensive Approach to Mental Health Promotion and Suicide Prevention for Colleges and Universities: Insights from the JED Campus Program. NAM Perspect. 2021 Jun 21;2021:10.3147/202106b. doi: 10.3147/202106b. PMID: 34532687; PMCID: PMC8406501.

9. Xavier SA. Tecnologias em saúde mental junto a adolescentes- Guardiões da Vida nas Escolas / Mental health technologies with adolescents – Guardians of Life in Schools. revpsico [Internet]. 1º de julho de 2021;12(2):198 -208. doi: https://doi.org/10.36517/revpsiufc.12.2.2021.15

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